Seria uma manhã de domingo comum para um mês de fevereiro; e foi. Foi para quase todos, menos para um jovem magricela que há dois meses completara vinte e dois anos de idade e para aquela pequena comunidade presbiteriana de pouco mais de cinqüenta membros na pequena Ruy Barbosa, cidade do interior da Bahia. Reunia-se ali o Presbitério Ponte Nova (um Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil) em caráter extraordinário para examinar, com vistas à ordenação ao Sagrado Ministério, um jovem de 22 anos de idade. O Concílio era composto de pastores e presbíteros das igrejas presbiterianas das cidades da Chapada Diamantina. Tinha gente de várias idades. Tinha um amigo de infância daquele jovem aspirante e tinha o experiente e quase ícone reverendo Neemias Alexandre. Seria um dia de muito trabalho e com a expectativa de que findasse com uma bela cerimônia de Ordenação pastoral.
Passadas as estafante sessões de exames da experiência vocacional e convicção doutrinária estávamos de volta ao modesto templo para o culto da noite onde aquela igreja assistiria pela primeira vez uma cerimônia daquela. O culto transcorreu de acordo com a liturgia da Igreja Presbiteriana do Brasil e em determinado momento, após a homilia, o presidente do concilio conduziu a cerimônia de ordenação do Ministro do Evangelho em conformidade com o Manual de Culto da IPB. Cerimônia simples nos gestos, paramentos e apelo visual e ao mesmo tempo imponente nas palavras. Com a aguardada e significativa imposição das mãos sobre o ordenando, a cerimônia se aproximava do fim. Antes, porém, o presidente do concílio estendeu a mão ao jovem que se quedava de joelhos cercado de conciliares, ajudou-o a se colocar de pé e pronuncia as palavras que marcariam aquela vida para sempre: “Reverendo Antonio Neto, receba a destra de companhia para tomardes parte conosco neste Ministério”. Era a voz do rev. Neemias Alexandre; era o dia 22 de fevereiro de 1992.
Passados dezoito anos (completados ontem) aquele jovem tem hoje quarenta anos, atingiu a maioridade ministerial sentindo-se mais despreparado do que quando começou e tomado pelo mesmo temor diante da responsabilidade que assumiu. Em que pese o descrédito da instituição sacerdotal em nossos dias, continua nutrindo o mesmo respeito pela função e desenvolvendo com a mesma dedicação os misteres do pastorado na Igreja Presbiteriana do Brasil. Tentando privilegiar a ministração da Palavra de Deus, sente-se fora de moda numa época que exige cada vez mais que o pastor seja um gerente empreendedor dos negócios religiosos. Não basta ser fiel à pregação da Palavra, é necessário manter a igreja motivada (e haja criatividade para fazer isso).
Passo à primeira pessoa. Estou cansado, mas percebo na igreja aquilo que percebia há dezoito anos. Na igreja conheci meus melhores amigos, tive o privilégio de conviver com pessoas maravilhosas e decentes. Em função da igreja tive a oportunidade de conhecer a minha esposa e constituirmos uma família. É no seio da comunidade cristã que meus filhos se sentem melhor do que em qualquer outro lugar. Na comunidade daqueles que professam a sua fé em Jesus tenho visto os milagre que mais me emocionam: a transformação de pessoas, restauração de lares, convivência igualitária entre pessoas de classes sociais diferentes, solidariedade ante as adversidades da vida, dentre outros. A Igreja é, sob esses aspectos, o melhor lugar do mundo.
Contudo, a igreja tem suas idiossincrasias, e elas não são poucas nem sem importância. Precisaríamos de muito espaço para mencionar apenas algumas delas. Mas, o que mais me entristece na Igreja é que não conheço nenhum lugar tão propício a descumprir o Evangelho e, ao mesmo tempo, nutrir a sensação de que se está vivenciando o que Jesus viveu, do que em seu seio. Noutras palavras: não conheço nenhum outro lugar onde as pessoas se afastam tanto de Deus pensando que estão próximas a Ele. Foi-se o tempo onde a faculdade constituía o lócus privilegiado do ateísmo. Hoje o lugar mais corruptor da fé é a igreja. É nela que o Evangelho é reduzido a entretenimento, a negócio e a doutrina. É na igreja que o Evangelho é transformado em discurso que legitima a opressão econômica e social. É lá que os burgueses se sentem em casa e apaziguados com suas consciências.
Continuo vivenciando as mesmas crises que vivenciava quando fui ordenado ao Sagrado Ministério, mas não tenho nenhuma dúvida de que fui chamado para isso. Minha oração, agora que completo dezoito anos de ministério pastoral, é para que Deus me conceda forças para continuar fiel ao chamado que recebi da parte d’Ele. Que eu continue fazendo aquilo que me preparei para fazer e enquanto posso: pregar a Palavra. É a única coisa que consigo fazer razoavelmente bem. Suspeito que foi para isto que nasci.
AFA Neto