Por vezes se diz que não se consegue enganar os outros por todo o tempo. Isso não é verdade absoluta. O ser humano tem uma propensão tão grande para representar que é capaz de construir toda uma vida de aparências, acreditar nelas, fazer com que os outros acreditem nelas e, finalmente, morrer com e por elas. Conheço algumas pessoas que viveram e vivem assim. Tem medo de se despirem dos artifícios que foram sendo acrescidos às suas vidas sociais pois não querem ser conhecidas como realmente são. Gente que nunca parou para fazer uma auto-análise e, se já o fez, o que viu foi tão chocante que preferiu criar subterfúgios para viver. A simples possibilidade de parar para pensar em si mesmo suscita tantos medos que logo a idéia é rechaçada.
O que poderia ser encontrado por trás dos disfarces que construímos para parecermos pessoas “normais” e “aceitáveis” aos olhos dos outros? Certamente esse não é um empreendimento fácil e indolor, mas também, nada que não possa ser encarado e tratado adequadamente. Sem falar que ao final da aventura de retirada dos disfarces seremos surpreendidos com uma beleza indescritível: a beleza do ser humano como foi idealizado pelo criador. Isso me faz lembrar uma crônica do Rubem Alves que li há algum tempo e que conta a experiência de um amigo que tinha comprado uma dessas casas de madeira. Resolveu fazer uma reforma e começou lixando as paredes para pintá-las em seguida. À medida que o trabalho progredia as cores que ao longo dos anos emprestaram sua beleza àquela parede iam aparecendo uma após a outra. Finalmente chegou à sua forma original e para sua surpresa verificou que aquela era a forma mais bonita de todas. A diversidade de formas, a superposição dos tons, a saliência dos nódulos incorrigíveis da madeira, tudo, enfim, harmonizava para fazer daquela casa uma casa única e, por isso mesmo, bela.
Conosco acontece de maneira semelhante. Damos uma mão de tinta aqui, pregamos um quadro ali e assim vamos substituindo nosso ser verdadeiro por uma caricatura de nós mesmos. E o que é pior: quase sempre esse processo se dá impulsionado pela necessidade de sermos amados. A lógica é a seguinte: para ser amado eu preciso me converter naquilo que a pessoa que pretendo conquistar o amor espera encontrar em mim. Ou seja, para ser amado eu preciso deixar de ser eu mesmo e passar a ser o que o outro acha que devo ser. Esses valores infames têm criado uma massa de seres humanos deformados, descentralizados, esquizofrênicos e, naturalmente, infelizes.
É hora de empunharmos uma lixa e com coragem tentar encontrar o nosso verdadeiro ser e a partir daí construirmos uma vida autêntica.
Rev. A. F. Neto