DUAS HISTÓRIAS:
Quero evocar aqui duas história ocorridas há exatos 8 anos atrás, que cabem perfeitamente no momento caracterizado pela reportagem de ontem do Fantástico sobre aquele pastor acusado de abuso sexual.
HISTÓRIA 1: Um vídeo em que um pastor famoso adverte seus ouvintes sobre a atitude de denunciar pastores (http://www.youtube.com/watch?v=UK-_3S7fwHI). Dentre seus argumentos, evoca a história envolvendo os reis Davi e Saul. Este último, mesmo agindo de maneira vergonhosa e reprovável, não foi confrontado por Davi. Motivo? Tratava-se de um "Ungido" de Deus. Conclusão: Mesmo que o "ungido do Senhor" esteja errado, não podemos levantar nossa voz contra ele, sob pena de sermos severamente castigados por Deus, inclusive, com a própria morte.
Curioso é que logo no início da sua fala ele prepara o caminho para o objetivo real da sua fala que é a auto-defesa. "Vejo pessoas que nem tiraram as fraldas, que chegaram agora no Evangelho falarem mal de pastores pela internet. Ilustríssimos desconhecidos, recalcados, com dor de cotovelo do sucesso dos outros. Uma meis dúzia de idiotas, imbecís, travestidos de crentes". Ou seja, a velha tática de desqualificar o opositor para enfraquecer seus argumentos. Mas o "melhor" vem depois: "Ungido do Senhor é problema do Senhor. Ungido do Senhor não é problema teu. O teu pastor é ladrão? O teu pastor é pilantra? Você não tá gostando? Sai da lá e vai pra outra igreja". Noutras palavras: Seja conivente com o erro e assim ajude-o a perpetuar a maldade.
O trágico é que essa mentalidade corrupta e subserviente grassa solta nos rincões evangélicos país afora. Interpretações equivocadas e tendenciosas das Sagradas Escrituras dão a tônica a estes discursos da Teologia da Prosperidade.
HISTÓRIA 2: Numa reunião do EPJ (Evangélicos Pela Justiça) ouvi o relato feito por um casal de jovens advogados cristãos que colaboram com um dos movimentos mais idôneos e respeitados desta nação (Koinonia - http://www.koinonia.org.br) que me tocou. No semestre derradeiro do curso, eles organizaram ações em uma igreja evangélica de um bairro pobre da periferia de Salvador sobre Direito Constitucional e a atuação cristã. A ideia era prestar serviços àquela comunidade e promover esclarecimentos à população. Certo dia eles falaram sobre pedofilia e logo em seguida receberam uma carta de uma criança de 9 anos relatando um pouco de sua vida. Desde os 3 anos que sofria abusos sexuais por parte do seu padrastro e, agora, aos 9 anos era estigmatizada na comunidade e na igreja como uma vadia. O jovem advogado procurou o pastor da igreja e mostrou-lhe a carta para obter ajuda no acompanhamento do caso. Para seu espanto o pastor se derrama em lágrimas, chama o jovem para a porta do templo e, apontando para o púlpito, fala que o homem que falava eloquentemente naquele momento era, não só seu co-pastor, mas também o padrasto daquela criança.
Naturalmente, o jovem advogado diz que ele precisava ser preso e responder por seus crimes. Entretanto, o pastor pede para que isso não seja feito alí e pondera: "isso seria um escândalo para o Evangelho". Então, aquele jovem cristão dá a resposta mais bíblica e lúcida que poderia ser dada e que me enche de esperança: "Vergonha para o Evangelho é deixar esse monstro solto". Felizmente, o pastor concordou, o monstro que se fazia passar por pastor foi preso, condenado e cumpre pena.
Pela lógica do Silas Malafaia, a atitude correta para aqueles jovens seria a troca de comunidade religiosa, permitindo que aquele "ungido do Senhor" continuasse perpetrando suas monstruosidades.
Agora me digam: Será que o Evangelho é promovido pelos detentores do sucesso eclesiástico (mega igrejas e postos de alto escalão nas estruturas da igreja) e pelas celebridades midiáticas do universo religioso (pastores e artistas gospels) ou pelos "fracassados" que no anonimato se colocam do lado da justiça e da verdade do Reino de Deus?
(Afa Neto)