Tentando contornar os cones colocados estrategicamente pela Polícia Rodoviária, o carro deslizava lentamente pelo asfalto. Era um sábado pela manhã e o dia não estava tão convidativo como costuma ser em Salvador. O plano era visitar alguns imóveis à venda e fazer uma cotação de preços para levar para a assembléia da igreja no dia seguinte, mas as chuvas que caíram durante toda a madrugada e parte da manhã impediram a execução do objetivo. Foi aí que recebi o telefonema de um amigo convidando a minha família para passar o dia em sua casa. Aceitei e para lá me dirigia quando uma placa à minha esquerda chamou-me a atenção. Já havia passado pelo local com uma freqüência considerável, mas confesso que nunca tinha reparado naquela placa. Pelo visto ela era nova, pois minha esposa, que costuma reparar nos detalhes, nunca tinha percebido. Antes do retorno que ficava a cinqüenta metros à frente comentei com Diana: “Curioso; IGREJA BUSCANDO VIDAS!”. Ela prontamente responde: “Também reparei. Cada nome que se coloca em igrejas!”.
Li certa vez uma matéria sobre os nomes esdrúxulos que algumas igrejas brasileiras possuíam. Nomes como “Igreja do Cuspe de Cristo”, “Igreja do Fogo Azul”, “Igreja Batista Incêndio de Bênçãos”, “Comunidade do Coração Reciclado” e por aí vai. Os nomes alem de esquisitos, celebram aspectos místicos e bizarros da fé. A “Igreja do Cuspe de Cristo” recebe este nome em referência ao episódio relatado nos evangelhos onde Jesus cura um cego aplicando sobre seus olhos uma lama formada por areia e saliva. A ideia, portanto, é a de que essa igreja se ‘especializou’ em milagres. A “Igreja do Fogo Azul” entende que, de todas as cores refletidas no espectro das chamas do fogo, a de tonalidade azul é a mais poderosa. É a tonalidade do fogo dos maçaricos. Essa igreja é notória pelo seu grande poder.
Não conheço a justificativa evocada pelos criadores da “Igreja Buscando Vidas” para a escolha do nome, mas suspeito que trilha por caminhos diferentes daqueles que passaram pela minha imaginação. O nome me reportou logo de imediato para a promessa que caracterizou as igrejas evangélicas ao longo de toda a história da presença protestante no Brasil. A premissa era a seguinte: Todos estão mortos devido ao Pecado Original. A única possibilidade de encontrar a vida é entregando-a para Jesus. Acontece que o Filho de Deus era monopólio das igrejas dos crentes, logo, vida só existia para quem estivesse integrado a uma igreja. O extra ecclesiam nulla salus (fora da igreja não há salvação) do catolicismo tinha também sua versão evangélica. Então, a primeira reflexão que fiz, quando confrontado com o nome daquela igreja, foi a de que ela fazia um rompimento e uma denúncia.
A “Igreja Buscando Vida” rompia com toda uma tradição monopolizadora do sagrado e de suas benesses. Agora, a igreja já não pode reivindicar exclusivamente para si a administração da tão necessária vida. Esse rompimento carrega consigo uma denúncia veemente: As igrejas já não são geradoras de vida como dantes. Se ela deseja ser uma lugar de vida, terá que buscar os vivos em algum lugar fora dela.
É claro que os criadores daquela igreja jamais pensaram nessas coisas que acabo de relatar, mas aproveito a oportunidade para convidá-los a refletir sobre o estado lastimável das nossas igrejas.
Na maioria das comunidades evangélicas que conheço a morte campeia por todos os lados. As vidas são sacrificadas todos os dias nos altares que alimentam os deuses da morte.
Sacrificamos vidas em nome de um crescimento numérico com a finalidade de sermos vistos e sermos ‘relevantes’. A pergunta que ninguém faz é: ser visto por quem e para que?
Sacrificamos vidas nos altares do moralismo desumano que cria uma religiosidade proibitiva e condena pessoas a estigmas diversos. O que ninguém se pergunta é: será que esse moralismo tem alguma força para combater e reeducar pessoas vendidas a valores imorais em uma sociedade imoral?
Sacrificamos vidas nos altares de uma ortodoxia fria e antiética, que em nada se difere dos piores fundamentalismos que o mundo já produziu. O que ninguém se pergunta é: de que adianta professar uma fé fundada em pressupostos aparentemente bíblicos, se a prática reflete comportamentos desonestos nas disputas dos cargos eclesiásticos e na busca por notoriedade?
Sacrificamos vidas nos altares dos valores burgueses e egoístas de uma classe média que tem em seu umbigo o centro do universo, mas dorme em paz embalada pelas canções e pelos sermões dominicais que ouve. O que ninguém se pergunta é: o que foi feito do Evangelho do Nazareno pobre e solidário em quem dizemos nos inspirar?
Pelo visto, de todos os nomes honrosos e esdrúxulos que constam nas placas das igrejas, a “Igreja Buscando Vidas” encerra uma verdade inquietante para nós: A julgar pelo atual estagio de nossas igrejas, ta mais fácil encontrar sinais de vida fora do que dentro delas.
Que lástima!!!!
AFA Neto