O texto ficou famoso por causa de um suposto diálogo entre São Francisco de Assis e o Papa Inocêncio III. Conta-se que após apresentar ao franciscano toda a suntuosidade do Vaticano, falou: E pensar que nosso primeiro bispo de Roma (Pedro?), quando se deparou com um aleijado na porta do Templo de Jerusalém disse que "não possuía nem ouro, nem prata...". Veja Francisco, como Deus nos abençoou desde então. Já não precisamos dizer como Pedro. Ao que Francisco retrucou: É verdade Santidade. Em compensação já não podemos falar a segunda parte da resposta do apóstolo "Levanta e anda em nome de Jesus...".
O diálogo, provavelmente, nunca aconteceu nestes termos. O que sabemos é que Inocêncio III e sua corte negaram um pedido de audiência a uma comitiva liderada por Francisco de Assis. Após alguma insistência, foi concedida a tal audiência em outra oportunidade com a condição de que os solicitantes se banhassem e se trocassem para serem recebidos pelo Santo Padre. Após a tal audiência Inocêncio III reconheceria a Ordem dos Frades Menores como uma ordem genuinamente cristã.
O fato é que os dez primeiros versos do capítulo 3 de Atos dos Apóstolos se tornaram emblemáticos para todo e qualquer projeto de espiritualidade cristã. Neles podemos identificar alguns traços imprescindíveis de uma caminhada simples, íntegra, porém poderosa ao lado do Mestre.
Antes de mais nada somos confrontados com a necessidade da BUSCA constante independente de se tratar de figuras conhecidas nos meios cristãos como grandes heróis da fé. O texto fala que Pedro e João subiam ao Templo para um dos períodos de orações diárias dos judeus. Mas em todo o livro somos informados que estes homens mantinham uma rotina diária de cultivo das disciplinas espirituais. Essa ideia de que pessoas especiais e poderosas nascem subitamente em decorrência de uma experiência mística é completamente estranha às Escrituras. Homens e mulheres que desfrutam da proximidade com as coisas do alto, são pessoas que construíram esse alicerce através do cultivo de muito tempo dedicado à oração, à leitura das Escrituras, à comunhão pública, ao jejum, etc.
No momento seguinte temos o relato de uma troca de olhares entre os apóstolos e aquele pedinte que aponta para uma espiritualidade HORIZONTAL. Pedro diz: "olhe para nós". Em seguida o texto relata que o homem "olhou para eles com atenção". É essa capacidade de perceber o outro que tem faltado ao nosso projeto de espiritualidade na sociedade pós-moderna. Quase sempre o nosso mundo é o nosso umbigo e, quando sobra algum tempinho nos voltamos para o alto numa devocionalidade descolada do mundo à nossa volta. Quem busca a Deus de olhos fechados para o outro sempre se deparará com um ídolo. Afinal quem diz que "ama a Deus a quem não vê e odeia a seu irmão a quem vê, é mentiroso".
Para não me alongar mais, vou pontuar um terceiro e último princípio que o texto nos aponta. Na famosa resposta de Pedro ao mendigo está implícita a chave mestra de todo relacionamento com Deus: a DEPENDÊNCIA. "Não possuo nem ouro, nem prata; mas o que tenho, isso te dou 'em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta e anda'". Não tinha o que se esperava dele; e o que ele tinha não era dele, mas de Deus. Se ele tivesses o ouro e a prata aquele mendigo paralítico continuaria naquele estado após a passagem dos apóstolos. Mas graças à pobreza material de Pedro e João, a dependência de Deus sobressaiu e aquele homem foi resgatado da sua condição. Essa busca frenética por melhores condições materiais, quase sempre, esconde uma desconfiança para com a suficiência da graça divina.
Deus nos abençoe.
Afa Neto