Sempre me confronta o quarto capítulo da carta de Paulo aos Efésios. A construção do texto não deixa margem para acidentes, tudo é pensado meticulosamente para atingir seus leitores naquilo que eles mais precisam. Depois de falar das maravilhas do que Deus fez por nós ao nos dar vida quando estávamos mortos em delitos e pecados, quando nos ressucitou em Cristo quando estavámos sepultados em corrupção, quando nos elevou à privilegiada condição de assentados nos lugares celestiais em Cristo Jesus; o apóstolo nos chama para entrar em cena. Como diríam os antigos: passamos da crença para a agenda; daquilo que Deus fez (e só Ele poderia fazer), para aquilo que nós precisamos fazer.
Diante de tudo que fora dito até aqui, Paulo começa com uma expressão forte: "rogo". Isto é aquilo que poderíamos chamar de "apelo exortativo". Tem a sensibilidade de um apelo sem sucumbir à subserviência, e tem a força de uma exortação que emana da autoridade apostólica do escritor. Tudo para fazer uma conclamação da mais aguda importância: VIVAM DE MANEIRA DIGNA DA VOCAÇÃO A QUE VORAM CHAMADOS.
É esse o desafio. Nem mais, nem menos. A simplicidade e a impossibilidade. O privilégio e a responsabilidade. Como é possível viver dignificando essa gloriosa vocação? foi para responder a esta pergunta que o apóstolo dos gentios escreve os dezesseis primeiros versículos do capítulo quatro da carta aos Efésios. O curso dessa argumentação paulina segue assim:
1. É Preciso Cultivar Vidas Santas e Piedosas. O verso 2 reproduz de maneira resumida o clássico texto que aparece em outra carta de autoria do mesmo apóstolo aos cristãos da Galácia, quando fala das obras da carne e do fruto do Espírito. O cultivo de comportamentos de docilidade, pasciência, companheirismo e amor, são conclamações veementes contra uma sociedade que associa estas qualidades à fraqueza e à pusilanimidade. É interessante notar que Paulo enfatiza características que não figuram no imaginário do mundo. Ou seja, para o apóstolo, a agenda da santidade cristã não é ditada pelo mundo ("crente não faz isso, não bebe aquilo, não fala aquilo outro, etc) e sim pelos valores do Reino de Deus. Não é a minha cultura que vai me dizer como agir, e sim o meu Deus.
2. Esforçar-se para Preservar A Unidade Criada Pela Trindade. O apóstolo segue sua argumentação entre os versos 3 ao 6 dedicando-se a defender a unidade cristã como obra de um Deus Único, Trino e Indivisível. É digno de nota o fato do escritor não conclamar os leitores a construir a unidade cristà e sim a preservá-la. Em sua mente ele sabia que todo esforço humano para promover unidade, só conseguirá, no máximo, produzir ajuntamento. Unidade é algo místico e que escapa à nossa capacidade de criá-la; o que podemos e devemos fazer é preservá-la. Em suma: todas as vezes que nos deixamos dividir por motivos facciosos, ofendemos a Trindade Santa em sua unidade eterna.
3. Quando não Vemos na Diversidade uma Adversidade. Paulo passa do todos nós para o cada um de nós; do coletivo para o individual, do público para o privado, do singular para o plural a partido do verso7. Curioso como na mente do apóstolo unidade e diversidade sempre se complementam, nunca se divorciam. O respeito pelo outro em sua individualidade é expressão de verdadeira unidade. E o caminho para o casamento entre unidade e diversidade passa antes pela construção efetiva de um mundo que oportuniza a todos, sobretudo os menos favorecidos, e só depois pela tolerância. Talvez, esse discurso da tolerância como remédio contra a discriminação, seja o discurso de quem já se conformou com a desigualdade ou pensa nela como algo natural, eterno. Antes de tolerar eu preciso transformar as relações de desigualdade, pois esta atenta contra a diversidade e contra a unidade. Em outra ocasião escreverei mais sobre o tema tomando por base minhas leituras de Slavoj Zizek.
4. Perseguindo a Maturidade Cristã. O rio paulino de promoção da dignidade da vocaçao cristã deságua na superação da imaturidade, da inconstância e da infantilidade entre os versos 13 ao 16. Comportamento infantil é a condição própria de uma criança, mas quando encontrado em adultos é uma anomalia. É nessa linha que Paulo argumenta. Se já temos conhecimento farto daquilo que Deus fez por nós, não podemos viver à mercê de modismos e inovações, como crianças que desejam com todas as forças um brinquedo e ao possuí-lo se desfazem dele para projetar seu intenso desejo para um outro brinquedo. Ainda que sejamos mutáveis, precisamos estar ancorados em algo imutável. Paulo nos oferece os princípios cristãos como esse alicerce sólido, constante e imperturbável, no qual aportamos nossas vidas.
Esse é um resumo daquilo que aprendi ao pregar neste último domingo para a comunidade que pastoreio.
Deus nos abençõe
AFA Neto