Deus é um ser de poucos amigos. Também não poderia ser diferente. A história da humanidade mostra como a vida foi impiedosa para com os amigos de Deus. Olho para Abraão, aquele que a Bíblia reputa como o pai da fé e vejo um homem desterrado em todos os sentidos. Sem terra, sem apoio familiar, sem amigos e sem os referenciais da sua antiga religiosidade. Se as atenções se voltam para o mais badalado dos nomes da trajetória de Israel, Moises, a situação não muda. Arrancado da comodidade de sua vida de pastor, é lançado no mais tumultuado cenário que alguém poderia ter na sua época. Ser instrumento da libertação de seu povo das garras de um tirano megalomaníaco. Quando pensava que o mais difícil seria tirar os semitas do Egito, descobriu que morreria sem conquistar o seu próprio povo. Só a morte o fez herói.
Lembro-me da letra de uma canção que costumamos entoar em nossos cultos e que diz: “Não existe nada melhor do que ser amigo de Deus...” É verdade, mas suspeito que pelos motivos que não costumamos apreciar. Os amigos de Deus caminham na luz, mas não estão necessariamente seguros. A canção diz “caminhar seguro na luz...”; a experiência de Jeremias fala de um homem que andou na luz, mas que nunca esteve seguro. Perseguido e incompreendido, morreu no exílio.
Nosso ideal de amizade exige um amigo conivente com nossas mazelas e sempre disposto e pronto a nos socorrer com a maior presteza. Os amigos de Deus nunca tiveram nele um amigo que pusesse panos quentes diante das ruindades praticadas. A correção nunca faltou. A Biblia chega a dizer que uma das provas da nossa filiação a Deus é a forma corretiva com que nos trata.
Por diversas vezes leio clamores desesperados dos amigos de Deus do tipo: “Dá-te pressa em socorrer-me” ou “Até quando Senhor; te esquecerás de mim para sempre?” Deus tem uma estranha mania de ser um amigo presente mas não tornar essa presença ostensiva.
Tereza de Ávila (pintura ao lado) tinha toda a razão quando orou: “Senhor, se é assim como tratas os teus amigos, não admira que tenhas tão poucos”. E eu fico pensando nos pretensos amigos de Deus dos nossos dias. Gente que só se dá bem, gente ‘endinherada’ ou bem postada. Gente com a vida toda bem ajustada e com uma historia de sucesso para contar. Os “amigos” de Deus dos nossos dias são em tão grande número que um desavisado chega a pensar que a mística medieval tinha errado em sua oração.
AFA Neto