“A ti, Senhor, elevo a minha alma”. É assim; simples e profundo, econômico em palavras e tudo dizendo que o escritor sagrado expressa a sua oração. A angústia que perpassava a sua alma chega até Deus conduzida por um desabafo sincero e, sobretudo pelo escancarar da sua interioridade. Não há disfarces e nem pode haver. Não se fala com um outro igual a ele que, por mais amigo que fosse, não suportaria conhecê-lo como ele realmente era. Fala-se com Aquele que criou a todas as coisas, que conhece o “conhecível” e o desconhecido de cada realidade existente. Aquele que conhece o confessado e o que ficou calado no mais profundo silêncio de uma alma atribulada.
Davi sabia que diante de Deus não há espaço para discurso preparado, para palavras medidas, para gestos ensaiados e para atitudes estereotipadas. Tudo que se tem para fazer é se despir dos artefatos que tentam esconder a feiúra e se aventurar na difícil, mas libertadora tarefa da confissão. Vencer o medo de se mostrar fraco e egoísta para descobrir abrigo e suficiência na Providência. Vencer o medo de se mostrar rancoroso e vingador para se descobrir amado e capaz de amar naquele que é amor. Vencer o medo de se mostrar humano e descobrir a verdadeira humanidade naquele que se fez homem.
Quem eleva a alma a Deus se apresenta diante dEle pronto para se redescobrir. Isso porque com o passar do tempo somos moldados por outros e por circunstancias tantas que já não conseguimos saber quem realmente somos. São mãos e demãos que tingem nosso ser mais básico de tantas cores que nos transfiguramos para parecermos com todos e todos conosco. Diante de Deus nossa alma se reencontra. Não precisamos ser iguais, só precisamos ser nós mesmos. Assim Deus nos ama, nos acolhe, nos humaniza e nos quer bem.
É esse poder da oração que foi perdido. Ora-se para obter bênçãos. É a oração usada como arma para instrumentalizar a Deus. Deus tábua de salvação, doador de bênçãos, solucionador de problemas e pronto a satisfazer meus desejos de vida fácil. A quantos pedidos temos direito? Deus o gênio da lâmpada.
É a oração usada para se produzir belos discursos teológicos que muito se fala e pouco se diz. Discurso que alimenta ao intelecto, mas deixa vazio o coração. São belas peças de oratória que comovem outros ao nosso redor, mas não chegam a Deus.
É a oração usada como arma para ferir o outro através de recados muito bem direcionados. As respostas que não temos coragem de dar olhando nos olhos, preferimos revesti-las de piedade no momento da oração.
Orações que tiranizam pessoas, promovem os “espirituais”, elegem os vaticinadores e, sobretudo, excluem a muitos. Orações, palavras vazias de Deus e cheias do que há de pior no ser humano.
“Senhor, ensina-nos a desaprender a orar para falarmos contigo. Ensina-nos a depor nossas armas, nossas palavras, nossos desejos vis e comparecermos na tua presença com o peito escancarado e nenhum pedido, somente uma oferta: Eis-me aqui Senhor; quero mostrar-te a minha alma.”
Amem.
AFA Neto