Eu sempre soube que pessoas morrem, que animais e plantas morrem, e que qualquer outro ser vivo morre. As células que constituem todo organismo morrem. Filosoficamente até dizemos que elementos inanimados, ou sem vida, morrem, como até mesmo o tempo, as oportunidades, ou ainda, pasmem, a própria morte. Vê-se isso no tema do sermão: “A morte da morte na morte de Cristo”. Mas eu nunca tinha pensado em atribuir esses valores de referência “humana”, ou vitais a conceitos subjetivos. Recentemente, vi e ouvi uma música sofrer um acidente, adoecer e morrer. Houve uma comoção nacional; uma repercussão universal pela influência da mídia. Era só o que se comentava semanas a fio. Como todos os acidentes ocorrem, num dado momento, sem que se espere, numa certa tarde, uma dupla de adolescentes evangélicos ao se preparar ou ensaiar uma canção para apresentar no culto de “logo mais à noite”, pega um violão, assenta-se no sofá simples, da sala simples, de uma casa simples, de um bairro simples, em uma grande capital do nosso país, escolhe a pauta para o grande momento de edificação de uma parte do corpo de Cristo, que iria se reunir em um templo para ouvir as coisas de Deus, e define como peça de enlevo espiritual uma linda canção de tempos idos, que fala de avivamento e da ação miraculosa, misteriosa e cuidadosa do Deus que faz novas todas as coisas. Ora, a motivação deveria estar certa, pois a intenção do autor dessa linda canção foi mesmo despertar os ouvintes congregacionais para uma fé mais sólida no Deus pode trazer à vida ou renovar aquilo que aparentemente já morreu, como um galho seco. Essa é a observação do profeta: O Senhor Traz vida do tronco seco caído e aparentemente morto. Claro, Ele sempre faz isso; da terra seca o Senhor faz um rio caudaloso, como o Neguebe, um milagre extraordinário que Israel viu tantas vezes; Ele, O Senhor, fez uma vara seca e morta florescer nas mãos do sacerdote Arão. Portanto, trazer vida do que está morto é uma ação costumeira do Amado das nossas almas. E naquela fatídica tarde, aqueles dois adolescentes imprudentes tomam uma câmera, posicionam-na à frente deles e começam o “ensaio”. De repente, como todos os acidentes, a tragédia. Numa irresponsabilidade, em questão de segundos, o que era para ser uma “viagem tranqüila e abençoadora”, virou um drama que causou a morte de uma linda canção. Aos berros e gargalhadas de fogo, ironizaram o sagrado e esconderam atrás da cortina da malandragem a natureza solene e espiritual de uma mensagem. O que deveria ser cantado com lágrimas e coração quebrantado virou piada nacional; Hit campeão na internet; liderança garantida no ibope da televisão, nos horários apelativos dominicais. Aquela dupla agora famosa compareceu a vários programas, repetindo, ou forçando a repetição performática daquela tarde trágica, da forma mais grotesca, irônica, avacalhada, causando um verdadeiro frisson nas raias da impiedade. Passaram e deram vexame, representando publicamente os evangélicos. Vi ali a mais específica aplicação da expressão bíblica: “dar pérolas aos porcos”. E ouvi um colega expor a outros que o cercavam: “O grupo de louvor da minha igreja ensaiou e colocou na agenda do culto da noite, cantar aquela música ‘nos galhos secos’, numa tentativa de refazer a imagem da canção, mas eu cortei na hora, pois para a congregação soará como uma piada”. Confesso que doeu dentro da minha alma, eu que cantei tantas vezes essa preciosa canção, como uma promessa de avivamento, e vi que a canção morreu, para nossa tristeza.
Itamar Bezerra