O que nasce do ventre de Deus não conhece o passado, só o presente e o futuro. Como criança que se projeta da barriga materna para se deixar ver pelo mundo, assim aquele que nasce de Deus olha para a existência como quem jamais viu o que seus olhos contemplam. Tudo é novo. Ele é novo.
Quando se nasce do ventre de Deus não ha uma memória do antes, pois o antes nunca existiu. Assim como não existe um depósito de almas que aguardam, armazenadas em algum armário divino, a hora em que serão introduzidas em um corpo, assim também a vida que surge do milagre do amor divino é uma criação nova. Não podem haver recalques e nem tiranias de fantasmas criados e fortalecidos ao longo do tempo de outrora pois a vida acabou de começar. E começa da mesma maneira que se inicia com um bebê; sem conceitos formados, portanto, sem preconceitos.
Seria mais ou menos assim a realidade descrita por Jesus em sua conversa com o piedoso judeu conhecido por Nicodemos? Como posso voltar ao ventre se já sou grande? Não poderia mesmo. Nisto ele estava coberto de razão. Não ha revés do parto; nem no plano biológico nem no plano espiritual. Não ha volta. Nasceu tem que viver. E mais: quem nasce não manipula o processo de gravidez. O mundo o aguarda sem que ele saiba. E o mundo é desconhecido, sobre ele paira a sombra do caos à espera do Fiat criativo. Aquilo que chamamos de “mundo” é uma peça semântica, factualmente ele não existe, está aguardando para passar à ordem das coisas criadas. E isso só acontece sob a influência do recém nascido.
Muitos mundos existem mas nenhum é o meu mundo. Nos muitos mundos que existem as pessoas são medidas pelas posses, pela cor da pele, pelo local do nascimento, pela opção religiosa, etc. Mas eu posso criar meu mundo na contramão de todos esses mundos. Eu saio do ventre e olho as pessoas à minha volta e não as conheço. Eu devo decidir se são feias ou bonitas, se quero próximas a mim ou bem distantes de onde estou. Sobretudo, quando saio do ventre eu vou aprender a construir a imagem daquele que me gerou. Eu olho para ele e provavelmente vou chamá-lo de Pai como quase todos à minha volta. Mas logo vou descobrir que sob este título muita coisa se esconde. Para uns o Pai não passa de um conceito sem nenhuma influência prática em suas vidas. Para outro, o Pai é um carrasco Sádico que para celebrar sua sanha mórbida criou mecanismos de torturas que duram eternamente. Para aquele o Pai é um sujeito pusilânime e incapaz de posturas firmes no relacionamento com o objeto amado. E para mim, quem é o Pai?
Certamente vou observar as imagens que conhecerei, mas preciso estar ciente de que não sou obrigado a adotar nenhuma delas, afinal, o mundo acaba de surgir diante dos meus olhos e eu acabo de ser criado.
AFA Neto
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