O mundo não acabou. Mais uma previsão furada. O novo, talvez, seja o fato de que ultimamente estas profecias apocalípticas, que antes arrebatavam multidões, hoje, em plena era da globalização da informação, só mobiliza um pequeno grupo. Por que a possibilidade do fim não causa mais frisson?
Não conheço as teses apocalípticas de outras religiões, mas no cristianismo esse discurso desapareceu. Depois de quase um século de soberania absoluta dos vaticínios do fim nos púlpitos evangélicos (sobretudo pentecostais), o neopentecostalismo chegou para sacralizar o materialismo. Nada de além, o que existe é o agora; nada de ruas de ouro no Paraíso, minha parte eu quero em dinheiro e nesta vida. Os profetas do imediatismo foram à batalha para legitimar a sua ganância e a sua fé com prazo de validade. O que tem que ser já está sendo, e salve-se quem puder!
Mas, por que a possibilidade do fim não causa mais frisson?
A vida tá sem graça e o cansaço bateu forte. O tempo voa e não produzimos nem nos divertimos. Estômago cheio e coração vazio; casa própria e alma errante; emprego hoje e incerteza amanhã. O mundo diante de nós projetado na tela do computador. Nós no mundo com apenas alguns cliques no mouse. Tudo é fácil, tudo é nosso, nada faz sentido. “De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma”.
Mas, por que a possibilidade do fim não causa mais frisson?
Fronteiras flúidas entre a ficção e a realidade, entre o virtual e o concreto. A vida sem nenhum valor e a violência banalizada no final da tarde. Aliás, o fim tarde que já inspirou poetas, hoje inspira apresentadores inescrupulosos e ávidos por audiência. Fim de tarde tem sido cada vez mais o fim da vida nessa loteria que é a existência neste mundo fragmentado. O filho que volta da escola, o pai ou a mãe que retornam do trabalho; a família que se reencontra à noite e é acometida de uma estranha sensação de alívio. Sobreviventes de uma guerra transformada em espetáculo.
Mas, por que a possibilidade do fim não causa mais frisson?
“Para mim o fim do mundo é o fim do mês” canta o compositor popular. O mundo acaba a cada dia sem hecatombe e indiferente à dor do outro. Finda na conduta desavergonhada dos politicos daqui e de alhures que tripudiam da nossa falta de atitude. Finda na inescrupulosa manipulação dos líderes religiosos sempre sedentos de notoriedade, poder e dinheiro. Finda na falta de sentido que nos corrói celeremente como um cancer que não nos deixa esquecer que somos finitos e condenados à insignificância.
Por que a possibilidade do fim não causa mais frisson?
AFA Neto