O inferno não figura em meu horizonte de possibilidades. Declaro e me apresso em explicar. Não estou negando a sua existência, estou negando a sua eficácia como argumento em defesa do céu ou de uma vida devota. Pobre é aquele que faz opção por uma vida piedosa por medo de ser mandado para o inferno. Desgraçado é aquele que resolve ser ético por pressão de um destino eterno de danação.
As igrejas cristãs estão abarrotadas de pessoas em rota de fuga do inferno. Não estão na comunidade dos salvos pelo prazer de uma vida instigante ao lado do Nazareno; estão assegurando suas estadias longe do lago de fogo. Desventurados cristãos! Nada entendem do projeto de vida que Jesus propôs para os seus seguidores. São mantidos cativos por ideologias e legalismos desumanos graças à existência do inferno. Os púlpitos são visitados por discursos veementes sobre as desventuras que aguardam aqueles que se extraviam dos projetos eclesiásticos.
Já tive medo do inferno! Devia ter uns oito ou dez anos. Ficava pensando como poderia alguém ser queimado eternamente sem morrer. Sem ao menos ter pasta Kolynos para pôr nas queimaduras. Também pudera; todas as descrições que me eram apresentadas do inferno eram muito vívidas e impressionantes. E quem pintava essas cenas nunca tinha lido uma única linha de Dante Alighieri ou ouvido o famoso sermão do Jonathan Edwards. Por falar neste último, sempre fiquei intrigado com a fama adquirida pela sua homilia. Nunca ouvi falar de um sermão que tivesse arrebatado auditórios pela forma convincente com que retratou as maravilhas do Paraíso. Que prazer mórbido será esse que os cristãos tem pelo inferno?
Acho que não temos sermões arrebatadores em favor do céu por que as descrições do Paraíso que dispomos são por demais etéreas. Anjos cantando, ruas de ouro sem nenhum valor econômico, tronos e majestades; na boa, nada disso atrai. Fala que não haverá mais noite, mas não fala de praias e piscinas. Fala que não haverá mais choro, mas não fala de gargalhadas e caras felizes. É tão assim que conheço muita gente que tem seu maior prazer em se vingar dos seus desafetos lançando-os no inferno. “Que graça tem ir para o céu se não tivermos a certeza de que o cara que se deu bem aqui enquanto eu me ferrei, não vai comer o pão que o diabo amassou nos quintos dos infernos?”.
Céu de mulçumano é legal. Tem 70 virgens para cada um (só acho de mau gosto o fato de serem virgens), rios de vinho e comida a vontade. Lá os caras só pensam naquilo. Revestem todo o corpo de explosivos e apertam o botaozinho virando zilhões de pedacinhos, tudo para antecipar a chegada ao Paraíso. Se vão chegar a algum lugar depois dessa bagaceira toda ninguém sabe; mas que vale a pena morrer por uma visão dessa, ah isso vale!
O céu dos hindus consegue ser o pior de todos. Atingir o Nirvana equivale a perder a pessoalidade e a individualidade. Ou seja, se haverá alguma coisa boa, você não poderá perceber, afinal você já não será mais você e sim o todo. O que esse todo quer dizer e em que ele consiste ninguém ainda conseguiu explicar.
Antes de terminar preciso dizer algumas coisas rápidas:
a. Sou cristão e não fiz minha opção pela decência motivado pela fuga do inferno ou pelos prazeres do céu e sim pelo projeto de vida proposto por Jesus.
b. Já abandonei há muito tempo o inferno como argumento evangelístico ou apologético. No cultivo da minha espiritualidade não preciso do Geena para cultivar a piedade ou para ajustar minhas concepções de justiça ao meu desejo de vingança.
c. Às vezes penso no céu, mas sempre imagino um lugar não muito diferente de alguns lugares legais que conheço. Imagino um lugar cercado de gente desencanada e sem pretensão de santidade ideal e, o que é imprescindível, poder comer picanha com aquela capa de gordura e sem risco de infarto.
AFA Neto
Gostei demais desse texto; a perspectiva de medo imposta aos ouvintes em relação ao inferno é uma estratégia católica da idade média bem conhecida de quem ja ouviu falar desse "truvuo" período da história. Por conta disso é que a venda de indulgências era tão eficaz. Percebemos que hoje o quadro se assemelha em muito a esse tempo, com uma sutil diferença - ninguém quer mais deixar para os parentes que ficam a responsabilidade de "comprar" sua salvação. É melhor "comprar" esse negócio por aqui antes de ir...
Belíssimo comentário, desse jeito os legalistas te mandam para o inferno! Rsrsrs... Forte Abraço.
Que maravilha, ouvir isso refrigera nossos pensamentos e nos alegra em saber que tem pessoas, que acreditam que JESUS CRISTO pauta todo o tempo em nós carater, conduta, modelo..
E não super-cristãos,que não pode errar, tropeçar senão vão para o inferno...otimo que O REI JESUS CRISTO te abençõe...
Seu texto me leva a avaliar mais uma vez a apresentação que me fizeram durante minha infância sobre céu e inferno, e dizer que você estar correto ao falar que procuramos o paraíso não por suas características, mas por medo do inferno. Venho te pedir uma ajuda:_ como faço para perder todo medo que foi cultivado em mim, do inferno?
É bom saber que tem pessoas que pensam desta forma,penso o mesmo .Que pena desses que fazem do evangelho um pano de fuga por medo do inferno......se bem soubessem seria melhor não ter conhecido pois para nada serviu.
Amei o texto.
Isso mesmo Pastor.
Vamos parar de achar que vamos pro céu e torcer pra que o "inimigo" vá pro inferno e se dane.
Amei a sua visão de como poderia ser o céu.
Deus continue te abençoando.