Sentiamo-nos mais poderosos do que há três dias quando saimos de Ruy Barbosa em direção à cidade de Abaíra. A viagem de ida tivera suas aventuras e uma delas ainda estava bem viva em minha memória por ter colocado em risco a nossa vida. Conduzia minha Brasília vermelha, carburação dupla e monobloco quase partindo ao meio, com o orgulho de quem dirigia o seu primeiro carro. Mais da metade do valor do veículo ainda estava sendo paga em salgadas prestações, mas naquela época essas coisas não me tiravam o sono como hoje. Motorista inexperiente, conduzindo um carro que não ajudava, quase fomos atropelados por uma carreta na decida de uma das muitas ladeiras da região da Chapada Diamantina. Passado o susto e suportados os devidos xingamentos, seguimos assistidos pelas formações rochosas que ladeiam aquela estrada e que fazem daquela região uma das mais belas que já vi.
Abaíra nos esperava para mais uma edição de um congresso de avivamento que acontecia ali a cada ano. Cada momento daquele encontro foi sorvido com avidez e entusiasmo. Todas as expectativas foram superadas. Palavras motivadoras, reuniões de orações regadas a lágrimas e muito fervor, trocas de experiências místicas e tudo coadunou para contribuir para aquele sentimento já descrito de onipotência que se apoderou de nós quando de lá, partimos de volta a Ruy Barbosa.
Estávamos nos aproximando de Seabra e o dia parecia especialmente radiante. O céu de um azul escandaloso tornava mais intenso o brilho do astro celeste que queimava solitário no alto das nossas cabeças. A vegetação se mostrava verde e vigorosa devido às primeiras chuvas que já haviam se precipitado sobre o solo. Tudo como sempre, mas agora, visto através de um olhar de super-homem. Naquele momento me ocorreu que tudo nos era possível. Assim entendi, assim me comportei, assim descobri...
No carro estava em companhia de mais três amigos, sendo um deles um pastor mais experiente do que eu, na época com apenas dois anos de pastorado. O sensato pastor preveniu-me: “vamos abastecer o carro aqui em Seabra”. Até hoje me lembro do seu constrangimento ao receber o meu olhar de reprovação por aquela atitude de tremenda “falta de Fé”. Pensei: “como pode alguém que se diz um pastor, vindo de um congresso como aquele que nos muniu de poderes divinos, se preocupar com algo tão banal como abastecer um carro?”. Certamente que o Deus que ressuscitou alguns mortos, restituiu vistas a outros tantos cegos, devolveu a fala a mudos, fez paralíticos andar e outras tantas proezas, providenciaria uma abundância de combustível para completarmos a nossa viagem. Podia, mesmo, trazer à memória o episódio bíblico narrado lá em 1 Rs 17 onde narra a história de uma viúva que tivera sua farinha e seu azeite multiplicados sobejamente por milagre de Deus. Certamente, Deus faria milagre semelhante, multiplicando o combustível do meu carro.
Ignoramos todos os postos de combustíveis que encontramos pela estrada. Para crentes de fé vacilante, aquela atitude era o cúmulo da insensatez, mas para crentes fervorosos, e era assim que nos sentíamos naquele momento, aquela era a única atitude possível. Seguimos viagem para 30Km adiante pararmos ‘incompreensivelmente’. Aventamos todas as possibilidades, menos a falta de combustível. Mas para frustração minha e pesar dos colegas de viagem o problema era simples: a gasolina acabara. Parece que o milagre não interferiu no processo de combustão. Agora era providenciar carona, ir ao posto mais próximo comprar gasolina, abastecer o carro, seguir viagem e tirar algumas lições.
A experiência com Deus é muito mais aberta e dinâmica do que gostaríamos. Não dá para equacionar as coisas de forma matemática como fazemos com todas as outras situações na vida.
Raciocínio do tipo: “siga estas etapas e chegarás a este lugar”, não tem lugar no universo da divindade. Esse raciocínio é a essência do farisaísmo duramente criticado por Jesus. Um emaranhado de regras a serem observadas com vistas à obtenção de determinados favores divinos. Essa tem sido a tônica da espiritualidade dos nossos dias. Uma das moedas de troca que usamos é a Fé (entendida como fervor e pensamento positivo). Se a crença for visceral e transformada em mantra, não tem como dar errado. Deus fica sem outra opção senão atender à demanda do suplicante.
Vamos deixar claras algumas coisas:
Experiências podem se repetir, mas não temos o direito de transformá-las em regras; Deus é livre e não abre mão dessa liberdade.
A fé, grande ou pequena, nada pode fazer para mover a realidade alheia. Uma fé visceral pode dar uma sensação de onipotência ao crente, mas se não abastecer o carro, a gasolina acaba.
Sensatez nunca foi sinal de falta de fé, mas uma forte aliada dela. O problema é quando a suposta sensatez transforma-se em uma mera desculpa para alimentar nossa covardia e comodismo.
A fé é uma aposta onde não podemos calcular os riscos, mas também é triste viver sem ela. Embarque na única e fascinante garantia que podemos ter: Deus cuida de nós.
AFA Neto
Que lembrança maravilhosa me trouxe essa experiência lembrada aqui; como éramos ingênuos com a Palavra de Deus e Seu poder.
Não que acredito que já chegamos à "perfeita varonilidade", mas que hoje, temos um pouco mais de conhecimento que já nos leva a "abastecer o tanque"...
Saudades Pastor!
Tarcísio.
Valeu grande Tarcisio. Bom ter um dos companheiros daquela viagem para testemunhar nossa aventura em direção ao crescimento na fé.
Abração