O personagem nonagenário de Gabriel Garcia Marques em “Memória de minhas putas tristes” (Record) passou toda a sua longa vida fugindo do amor como o ‘coisa ruim’ foge da cruz. Viveu intensamente e se gastou em orgias sem fim como se cada noite num bordel fosse redimi-lo da nulidade de dias de trabalho para sobreviver. No dia do seu aniversário de noventa anos tentou dá-se de presente uma noite de amor com uma ninfeta arranjada pela cafetina Rosa Cabarcas. Noite em claro e tudo o que conseguiu foi velar o sono de Delgadina e esboçar uma reflexão intima sobre seus dias favorecidos por uma genética privilegiada. “Por dentro a gente não vê o tempo passar, quem está de fora é que percebe”.
A vida nos fornece pistas dessa passagem dos dias, nós é que nos fazemos surdos para com estes sinais.
Mas não há muito que reclamar, isso acontece com quase todos para desgraça de quem só descobre que a vida foi embora nos acréscimos ao tempo normal de jogo. Aí começa aquele desespero de chutes a distância e bolas alçadas na área na tentativa de compensar o que foi prejudicado. Desnecessário dizer que quase nunca dá certo. Jogo encerrado, final precoce de campeonato, frustração e só.
Existir não é viver. Aquilo que nos parece simples e, por vezes, banal, constitui-se num fenômeno tão complicado da natureza que foge à compreensão comum. O nascimento é fruto de um complicado processo de seleção natural em dimensões microscópicas. Para se ter uma pálida idéia basta pensar na fecundação. Pelo lado masculino, cada ejaculação lança cerca de 400 milhões de espermatozóides na vagina. A partir daí se dá a procura pelo óvulo. A maioria dos espermatozóides fracassa na tentativa de passar pela cérvix. Os que conseguem passar vão para as tubas uterinas ao encontro do óvulo que, se liberado, receberá um verdadeiro bombardeio de espermatozóides para permitir o ingresso de apenas um.
Pelo lado feminino, este milagre não acontece a qualquer hora. Para que as condições estejam propicias para a fecundação, é necessário que aconteça a ovulação: fenômeno ocorrido uma única vez por mês e em apenas um dia.
Após tudo isso, inicia-se um longo e complexo processo de reprodução celular para, nove meses depois, se dá o nascimento. Passando ao largo das discussões entre os pró-vida e os pró discriminalização do aborto, apenas para efeito da nossa argumentação, entenderemos o início da existência a partir do nascimento.
Depois de um processo complicado como o descrito acima, tendemos a achar que viver é uma espécie de desdobramento natural do existir. Chegam mesmo a se imiscuir, tornando-se uma mesma coisa. Em algum momento da nossa existência nos damos conta de que esse engano nos custou algo ‘irrepetível’: a própria vida. Quando descobrimos isso tendo pela frente um tempo razoável para construir uma vida verdadeira, menos mal. O problema é que a maioria descobre essa verdade muito tarde. E não me venha pra cá com esse discurso de que a verdadeira vida é aquela que vem depois. Acredito numa vida que se segue a essa, mas não tenho o direito de desperdiçar a que posso construir aqui. Ela é única.
Como construir uma verdadeira vida? Não há uma formula. Várias coisas podem ser feitas para ajudar nesse processo de transformar a existência em vida, mas estou convencido que a maioria delas é acessório. Embelezam mas não ‘essencializam’. É preciso algo mais radical, que nos toque com ultimacidade e que nos ajude a reorganizar as coisas quando tudo parece de pernas para o ar. Algo que confira sentido a esse intervalo entre o choro inicial da criança que nasceu e o fechar de olhos do ser que morreu. Terapia ajuda, mas muito pouco. Musica, arte, disciplina, ajudam, mas não curam. Religião, às vezes, ajuda, mas cria falsas confianças. Deus é a resposta, mas as mediações religiosas o transformaram num ídolo. A única mediação para Deus é Jesus, mas este também foi caricaturado pelos cristianismos. O que fazer? Não tenho respostas fáceis e prontas. Eu estou tentando me despir de quase tudo (sei que é uma tarefa ingrata) e redescobrir o Deus de Jesus pela leitura pura, simples e despretensiosa dos Evangelhos. Não tem sido fácil, mas tem valido a pena. Estou começando a construir uma vida chegando aos quarenta.
Não tenho conselhos a dar, mas tenho um alerta a compartilhar: NÃO OUSE MORRER SEM APRENDER A VIVER.
AFA Neto.
Olá,
descobri seu blog por acaso e gostei! Estou te seguindo, espero que esse encontro seja proveitoso. Fique a vontade para visitar o meu blog. Graça e paz!
Olá Aline, que prazer tê-la como leitora e seguidora.
Devolverei a sua visita.
Abraço
linda reflexão