Amanhã começa o carnaval aqui em Salvador. Noutros lugares, a folia tem seu start no sábado. Nessa época recebemos uma quantidade enorme de e-mails tanto promovendo quanto denegrindo a festa. Confesso que não leio nenhum deles. Os primeiros são de propagandas vazias e os segundos são de ilações infundadas e inúteis. Pura perda de tempo.
Também tem aqueles pregadores televisivos que aproveitam a oportunidade para tirar proveito. É que, assim como no comércio, tais pregadores vivem de momentos e ocasiões especiais. A mensagem flui de acordo com a onda do momento. É uma maneira de tirar um “lucrozinho”. Mas o que há de se fazer?!
Eu já gostei de carnaval e não deixei de curtir por questões religiosas, mas por questões culturais e estéticas. Na época em que brincava carnaval (perceba que hoje se curte carnaval) as músicas eram mais ricas em harmonia e letra. Também pudera, tinha Armandinho e o clã Osmar, os Novos Baianos e o Tapajós. Aliás, adorava a disputa sadia e nunca admitida entre os trios de Dodô e Osmar e o Tapajós. Que luxo poder ver o desfile dos trios e com eles ouvir canções de Moraes Moreira, de Caetano, de Gil, dentre outros de calibre parecido. Que riqueza poder ter a participação especialíssima da Cor do Som com sua música instrumental sofisticada e de swing inconfundível. Ter o virtuosismo musical de Armandinho e de Luis Caldas da época de Acordes Verdes e antes de Fricote.
Lembro com saudade das Micaretas de Ruy Barbosa. Esperava com ansiedade e todo um ritual o início da festa. Quando ficava sabendo que o Trio Elétrico estava na cidade, corria para a pensão onde os músicos ficavam hospedados não para vê-los e sim para contemplar aquele carrão ladeado de alto-falantes. Semanas antes minha mãe fazia nossa mortalha de pano colorido e excessivamente estampado, ia até a feira livre e comprava dois ou três shorts e camisetas e então estávamos prontos para a folia. Os adultos providenciavam um cantil onde enchiam de batida de limão ou maracujá e tudo era feito com alegria e respeitando o espaço do outro.
Hoje o sujeito passa o ano inteirinho para conseguir fazer uma música com um refrão e mais dois ou três versos que nada dizem, e vira celebridade sazonal. É o carnaval das musas, rainhas e princesas, todas endinheiradas. Dos bonitões, cabelos pintados e animadores. No final, ganha que teve maior capacidade de enrolar o público durante um circuito interminável tocando coisas insuportáveis. Haja babaquice. Tô fora.
Vou pro acampamento da nossa igreja. Oxalá eu possa brincar, falar sobre coisa séria, ouvir uma música legal, estar com gente inteligente e, sobretudo, cultivar minha dimensão de espiritualidade. Se um dia o Carnaval se transformar num espaço para cultivo da boa arte, quem sabe eu incentive a comunidade onde estiver pastoreando a cair na folia e, a exemplo de Israel que caía na gandaia na festa do Purim, brincar até se esbaldar. Serei crucificado, mas valerá à pena.
AFA Neto
Concordo, com tudo que foi escrito. Ate porque o carnaval era uma festa popular.Digo que era , pois hoje é mais uma forma de ganhar dinheiro e espalhar conceitos não morais e eticos.
Rí muito com esse texto, pq quando chegamos a Rui Barbosa, nunca tinha ouvido falar de "Micareta", mas qdo minha mãe me alcançou eu ja estava com as "alpercatas enfiadas nos braços", conduzido na folia por um vizinho!!!
rsrsrsrsrsrsrsrssrs
É mesmo triste o rumo que tomou essa manifestação popular, Daniele. Tem gente tentando recuperar, mas os resultados são imprevisíveis.
Tarcísio, essa cena do menino com as sandálias enfiadas nos braços é mesmo típica lá de Ruy. Boa lembrança. Fico imaginando Nely te conduzindo para casa.kkkkkkkk.
Lembro-me saudoso, quando criança, dos "caretas" (meninos mascarados). Apesar de não ter medo, permitia-me ser escarrerado juntamente com as outras crianças só pra curtir a brincadeira e depois contar vantagens de quem correu mais ou melhor desafiou os caretas.
Belo texto pastor, penso igual;
Grande abraço.