Fora uma sequência relativamente longa de conversas. Como sempre acontecia em sua vida, cada palavra se prestava ao propósito de beijar a alma de quem a ouvia. Mas as vêzes essas mesmas palavras chegavam aos ouvidos como lanças pontiagudas que laceravam o coração de quem tinha se rendido ao óbvio. “Amem os vossos inimigos e orem pelos que os perseguem”. Sem floreios e sem revanche, com verdade e com amor, sincero e afável, com firmeza e com ternura. Era impossível parar de ouví-lo.
Mas os mestres das palavras não costumam ser tão talentosos com as práticas. Viver é sempre mais difícil que idealizar, assim como exigir do outro é mais fácil que a “auto-imposição”. E aguardamos os desdobramentos. E eles não tardaram. Primeiro veio na forma de desafio ao amor. Um chefe militar, representante das forças opressoras tem um pedido a fazer àquele a quem deveria perseguir. Um inimigo, uma ameaça. A resposta veio na forma de solidariedade. Amou o inimigo. A palavra encontrou-se com o gesto.
Depois veio na forma de encontro com o impossível. A viúva que sai da cidade para sepultar o filho se depara com a Providência que chega e quer entrar. Não há casualidade. Ele nunca “deixou a vida lhe levar”, sempre “fez a hora sem deixar acontecer”. Pura intencionalidade. É o abraço divino no abandono humano. Onde nada poderia ser feito a vida foi reinventada para restituir àquela mãe a sua dignidade. É aqui que os olhares se dividem.
Enquanto uns só conseguem enxergar um morto que volta a viver, outros veem uma vida que volta a sorrir. O milagre não está na reanimação de um corpo sem estímulos biológicos, antes, o grande milagre deve ser visto na restituição da esperança para uma viúva que caminhava para sepultar seu futuro. Uns veem o milagre no milagre. O espetáculo do extraordinário causando admiração e espanto naqueles que foram condicionados a buscar mais e mais o fenômeno. O milagre não é o fenômeno, é o que se segue a ele. O milagre transformado em espetáculo é sintoma da deformidade no olhar de quem só vê o que quer.
Para as gerações que celebram os milagres como acontecimentos inexplicáveis, os encontros dos Evangelhos foram transformados em cultos ao Deus das lacunas. Mas se estas palavras soarem agressivas e incômodas aos ouvidos dos cultuadores do extraordinário, é só fechar os olhos, levantar as mãos, abrir um parêntese em suas vidas combalidas, suplicar as bênçãos da santa alienação e embalar suas vidas ao som de alguma canção que tenha como refrão algo mais ou menos assim: “faz um milagre em mim…”.
E eu sigo na minha incredulidade apostando que o verdadeiro milagre é O ENCONTRO real com ELE.
AFA Neto
Muito bom; precisava ler isso hoje...