Meu primeiro ano na Igreja Presbiteriana da Aliança foi marcado por repetidas pregações com temática sócio-política. É uma comunidade com ethos próprio da classe média e tinha que ouvir seu pastor confrontar o tempo todo essa visão de mundo que fomenta o materialismo. Mas, sempre foram respeitosos.
No início deste ano resolvi expor a segunda metade do Evangelho de Marcos com ênfase na questão do discipulado. Não sei se por causa das minhas fontes, mas acabei trilhando o caminho da abordagem sócio-política. Sinto que estou fechando um ciclo mas não sei qual é e nem mesmo o que vai acontecer. Por enquanto quero somente compartilhar algumas intuições que me afiguraram enquanto meditava no texto de Marcos 12 nos versos de 18 a 27.
Enquanto quase todos vêem no texto um debate sobre a doutrina da Ressurreição, penso que tanto Jesus quanto os Saduceus (grupo envolvido no debate) disputavam a respeito de outras coisas menos etéreas. O que está mesmo em questão é a confrontação que Jesus faz dos poderes constituídos em seu tempo e como os valores perpetuados por eles estavam em flagrante desacordo com os valores do Reino de Deus.
A historia da lei do levirato e a construção de uma hipótese onde uma mulher casava-se com sete irmãos sem suscitar descendência até que ele mesma viesse a falecer, para saber de quem essa mulher seria esposa na ressurreição, era uma armadilha para o Galileu. As questões que perpassam o texto são: manutenção do patriarcado e dos privilégios daquela classe minoritária, porem poderosa em Israel. Três coisas podem ser pontuadas:
1. Jesus confronta as relações de dominação que se perpetuavam ancoradas no patriarcado. O que os saduceus queriam saber era se Jesus compartilhava com eles da visão de um mundo onde uns dominam sobre outros. No caso, a questão em foco era o matrimônio. A relação que perdurava era da dominação do macho sobre a fêmea. Era um modelo que subtraia da mulher a sua condição de sujeito da sua própria história. Jesus denuncia isso como algo estranho à vontade de Deus. No Reino de Deus não há espaço para a dominação de uns para com os outros, pois todos estamos debaixo do senhorio de Deus.
2. Jesus confronta as relações de coisificação do outro. É lamentável como na história contada pelos saduceus não há espaço para preocupar-se com os dramas da mulher retratada. A única questão que esses lideres tem em mente é saber de quem ela será esposa (propriedade) quando da ressurreição. Isto é a transformação da pessoa humana em objeto. Jesus denuncia esse comportamento como estranho às relações que devem existir no Reino. Diante de Deus somos e sempre seremos imago Dei.
3. Por fim Jesus rompe com uma espécie de materialismo sem escatologia que dominava a vida dos saduceus. A recusa daquele grupo com relação À ressurreição era uma declaração explicita de que eles não acreditavam em outra realidade senão na presente ordem. Tudo que há é o aqui e o agora. Jesus denuncia esta ausência de escatologia como letárgica e conformista. Quem não acredita em um Deus que gesta um novo amanhã acaba por se resignar diante das atrocidades desta vida.
Como se vê, essa espiritualidade imediatista do neopentecostalismo não é nenhuma novidade. A única novidade é que hoje somos materialistas que se diz acreditar em vida após a morte.
AFA Neto
Nunca tinha pensado neste texto sob essa ótica. Muito interessante!
Nunca tinha pensado neste texto sob essa ótica. Muito interessante!