Lia com atenção total devotada ao texto, como exige uma produção literária do especialista em Novo Testamento Werner Georg Kümmel, em preparação para a minha série de sermões que pregarei na Igreja da Aliança a partir deste domingo e que se estenderá até o Natal. Fizera a seleção de títulos que me acompanharão nesta jornada baseada nos dois capítulos iniciais do Evangelho de Lucas, passeando por autores ortodoxos e progressistas, a fim de captar impressões que enriqueçam as exposições. No momento em que estava absorto nas análises do teólogo alemão, o telefone toca e do outro lado da linha uma irmã da igreja me avisa que na Band estava passando um programa sobre Jesus. Com uma dose de sacrifício, fechei o livro e me dirigi à TV para acompanhar o programa, pois poderia ser que alguma ovelha pedisse minha opinião sobre o que fora veiculado.
Quando a tela se acendeu diante de mim, o personagem em destaque era o Padre Lauro Trevisan. A partir daí, o que se segue é tanta verborréia que não vale a pena sequer considerar. Entretanto destaco aqui sua explicação para o nome de um dos seus projetos: o Castelo da mente. Segundo o abastado padre, quando você pronuncia uma palavra você cria uma matriz mental que irá gerir sua vida, logo se ele usar uma expressão como “Rancho da Mente” isso implicará em uma matriz de pobreza. E por aí vai...
Na verdade a “matriz” de riqueza que ele plantou foi regada a muito oportunismo, marketing e uma massa desgraçada e disposta a se agarrar a qualquer coisa que pareça funcionar. A mesma “matriz” plantada por pastores e místicos diversos mundo afora que fizeram e fazem riqueza às custas da pobreza e da miséria de muitos.
Esse Jesus dos Trevisans da vida não nasceu pobre e acompanhado de degredados da sociedade, como aquele que salta das paginas do Evangelho lucano. O Jesus de Lucas não constrói castelos da mente, mas propõe desafios que perpassam mente, coração e vida. É duro com os poderosos que oprimem o ser humano e com o oprimido que descansa servilmente em sua desgraça provocada. O Jesus de Lucas é servo sem contudo ser servil, altaneiro ser ser altivo, tem orgulho de sua condição e missão, mas não é orgulhoso. Possuindo tudo, esvaziou-se e assumiu a forma de quem nada tinha. Como quem não tinha nada, viveu como um conquistador de almas e corações, chamando os povos à meia volta em suas vidas combalidas e erráticas. Nasceu sem nada, morreu rejeitado; reinou de uma forma desconhecida e ignorada.
Esse Jesus é escândalo para todos. Por isso que durante todo o tempo ao longo desses dois mil anos procurou-se embelezar o Nazareno. Como habilidosos cirurgiões plásticos, muitos tentaram mudar a face do Galileu. Fiéis, teólogos, sacerdotes e místicos, todos empunhando bisturis afiados, cuidaram para tirar de Jesus suas rugas. Como esteticistas, trataram seu cabelo desgrenhado, sua sombrancelha grossa e farta, para que ele parecesse um nobre.
Pobre Jesus dos púlpitos de hoje. Nada tem a ver com aquele que aprisionaram nas páginas do Novo Testamento. Adoradores de um outro Deus. Mesmos nomes, pessoas diferentes.
Voltei para a cama e abri o livro do mal visto Kümmel (para os ortodoxos) para desintoxicar a mente e mergulhar novamente em minhas incursões natalinas e evangélicas.
Boa Noite
AFA Neto
Sou tão pobre e miserável; graças a Deus por esse Jesus da Bíblia, tão assemelhado a minha condição, porém tão cheio de glória e majestade...