“Algum tempo depois, o riacho secou-se por falta de chuva”. Assim começa uma narrativa do Antigo Testamento que sempre me despertou interesse especial. O registro está lá no primeiro livro dos Reis no capítulo dezessete. Os personagens são Elias e uma viúva que só é identificada pela procedência geográfica (vinha de uma região fora dos círculos considerados santos de Israel – Sidom). Ele, o campeão da coragem e da intrepidez, sente o balanço nem sempre prazeroso da dinâmica da existência. Os altos e baixos da vida se manifestaram na vida do profeta e como qualquer mortal, ele esteve sujeito aos movimentos da natureza. A água minguou para ele como para todos ou outros ao seu redor. Por mais piedoso e fiel a Deus que ele fosse (e era) não podia se furtar ao processo de uma natureza que é a mesma para todos. O sol que nasce para justos e injustos nos ensina que não há um mundo paralelo ou uma Matrix para os bons e os maus. O riacho que se seca por falta de chuva, sinaliza que “o pau que dá em Chico dá também em Francisco”.
Mas Deus tem as suas formas inusitadas e desconcertantes de ensinar. E quase sempre quem precisa aprender é aquele que acha que já sabe tudo. Foi assim com Moisés, com o profeta Jonas, com o apóstolo Pedro e com o nosso personagem em questão. Vá para fora das cercas delimitadoras do santo e do profano e lá encontrarás socorro. Foi esse o comissionamento de Deus para Elias. Lá, onde nossos preconceitos religiosos sentenciaram como sendo o lugar da maldição, da ausência de Deus e da presença do pecado. Lá, onde nossa tosca visão espiritual só enxerga a danação, o diabólico e o caminho mais rápido para o inferno. Lá, onde evitamos a todo custo, onde sacudimos o pó dos sapatos e onde não conseguimos vislumbrar possibilidade do bem. Lá em Sidom pode estar te aguardando o abraço carinhoso de Deus.
E esse abraço veio da maneira mais imprevisível que alguém poderia imaginar. Para socorrer o campeão da fé, o homem que fazia o fogo arder na oferenda embebida em água, que desafiava reis em nome do seu Deus e que parecia ter em suas mãos o curso da história, Deus se manifesta na fragilidade e no desamparo de uma viúva. Enquanto para nossa cultura a viuvez feminina é a condição de uma mulher sem marido, para aquela cultura a viuvez era a condição de uma mulher sem condições. Era o passaporte para a miséria, para a mendicância e, portanto, para a ausência de perspectiva e de futuro. Era, também, uma estrangeira aos olhos do israelita Elias. Ou como o povo judeu costumava expressar-se sobre a condição daquele que era de uma origem étnica diferente da sua: um gentio. Só que não havia gentileza em chamar o outro de gentio! E Certamente não foi fácil para o profeta entender aquela maneira de Deus agir.
O Deus que esperamos encontrar de braços abertos para nossas vicissitudes é um Soberano abastado: o dono do mundo. Contudo, essa é a imagem criada pela nossa religião e não pela Palavra de Deus. Ele nunca se revela assim. É aí onde entra a fé. O abraço de Deus era estranho para Elias como tem sido para nós; a realidade vista sob nossa ótica não se revela adequada, mas pela fé “lançamos as redes”. O que poderia esperar um homem carente de subsistência, das mãos de uma viúva que tinha como perspectiva de vida o final daquele dia? As circunstancias lhe mostravam uma coisa, mas a fé lhe sugeria outra. Quando Elias pediu água e comida àquela mulher não o fez com base no que via e sim no que ouviu: “Vá imediatamente para a cidade de Sarepta de Sidom e fique por lá. Ordenei a uma viúva daquele lugar que lhe forneça comida”.
Ali, naquele lugar distante e mal visto pelo profeta israelita, por instrumentalidade de alguém mais desprovido de recursos do que ele mesmo, Elias pôde desfrutar do abraço desconcertante de Deus. Já nos braços da Providencia, ele pôde ouvir a sentença: mesmo com muito um dia o riacho pode se secar. Mas se nada tiveres, não há motivo para se desesperar. Com muito ou com pouco, a verdadeira provisão está em minhas mãos.
Depois do que falei e que gerou esse texto, recebi do Rodolfo este maravilhoso soneto que se segue:
Soneto da Confiança no Além
(ou da Solidariedade na Necessidade)
(Rodolfo Pamplona)
Não há nada gentil
em ser chamado de gentio...
Não há geografia
para quem tem ousadia
de ser sustentado
por quem nada tem,
totalmente confiado
em quem está no além.
Pedir com base (ou sem),
não com o que os olhos veêm,
mas com o que o coração sente
fará encontrar a generosidade
que suprirá toda necessidade,
trazendo a paz que nunca mente.
AFA Neto
Show de bola, pastor!!
Simplesmente, magnífico.
Essa é uma daquelas histórias da Bíblia que me deixa perplexa.
adorei pastor.essa e como suas pregacoes.lembrei de uma de suas pregacoes onde vc falou sobre um casulo que viraria borbolela.
Vc é Pastor?
Olá pessoal, muito obrigado pela participação nesta postagem.
Oi Edelamare, eu sou pastor presbiteriano e pastoreio em Salvador - BA.
Brande abraço
Ola crente . Saudade das conversas singelas , da leitura facil de temas que no nosso meio gera fratura e questionamentos desnecessarios , que bom ler algo assim Deus sendo livre para contradizer a logica mesquinhas das teologias engarrafadas prontas para o consumo de gente que não gosta da liberdade de Deus em usar quem ele quer ; gente pobre , leprosos , mulheres de vida questionaveis , gente sem nome , personegem desconhecidos todavia gente boa , gente com alma com algo a nós ensinar. Um grande abraço querido saudade de te ouvir !!!!!! Ian.
Olá, Neto!
Muito obrigado mesmo por me conceder a honra de ver mais um poema transcrito aqui no seu blog!
Você é inspiração, amigo!
Abraços, em Cristo,
RPF