Quão triste seria a vida se estivesse reduzida ao cumprimento puro e simples dos nossos planos. Tudo sob controle, mas amargando a angústia perturbadora do tédio. Tudo dentro da normalidade, mas preso ao enfado. A vida previsível é o sonho de cada indivíduo que, naturalmente, teme o novo e não sabe lidar com as variáveis. Nos sentimos inseguros diante da possibilidade de surpresas
Felizmente não podemos reduzir a existência à consecução matemática dos nossos projetos. E não podemos fazê-lo por um simples motivo: não vivemos sozinhos. O outro, que luta tanto quanto eu para manter a vida dentro dos limites do planejado, é a minha variável, é o meu atestado de incapacidade de manipulação da realidade, é a minha surpresa, é o fator que torna a minha vida uma aventura. A vida, para ser o fatídico cumprimento do que eu idealizei para ela, exige que tudo e todos com quem me depare sejam destituídos de vontade; e isto não é assim. Os planos são expressões de nós mesmos: do mundo que vivemos (e existem tantos mundos quantos seres humanos); da genética que herdamos e das escolhas que fazemos. Logo, se somos únicos, os nossos planos serão somente nossos. Triste daquele ou daquela que passa pela vida tentando fazer do outro uma peça na engrenagem da sua própria vida.
O encontro das pessoas é o encontro dos sonhos delas; e o encontro desses sonhos é o encontro das subjetividades. Quando subjetividades entram em contato com o mundo que acontece fora de cada um, tudo pode acontecer. O que foi planejado para ser uma bela história de amor pode desembocar numa relação de ódio. O que deveria ser uma aventura prazerosa e dinâmica pode resultar em tédio doloroso. Mas o contrário também pode acontecer. A tragédia esperada pode se converter em boa nova, a guerra prevista pode não eclodir e em seu lugar nascer o amor e a paz. Desertos dão à luz jardins, o caos vira ordem, a mão que machuca, agora, acaricia. A vida é imprevisível. Sentimos isso em cada momento, desde aqueles fortuitos até aqueles grandiosos e cercados de gravidade.
Essas reflexões ligeiras me ocorreram a propósito da minha viagem ao Rio Grande do Sul neste final de semana. O plano era passar três dias em Porto Alegre e pregar no aniversário da primeira Igreja Presbiteriana de lá. Isso, de fato, aconteceu, mas o que não estava previsto foi o que tornou a viagem única. O que não estava previsto foi uma viagem no sábado ao campo missionário da IPB (Igreja Presbiteriana do Brasil) na cidade de Rio Grande. Cada momento da viagem, desde a saída às quinze horas até a chegada às três horas da madrugada do dia seguinte, foi um testemunho de que o não planejado pode ser melhor que o cumprimento exato do que sonhamos.
Setecentos e cinqüenta quilômetros divididos em ida e volta, enclausurados em um carro, na companhia de dois amigos e a conversa correndo solta. Falamos de tudo, desde futebol até incursões na hermenêutica gadameriana. Saldo final? Encerramos a viagem mais cúmplices. A partir daquele momento, e somente a partir dali, poderíamos falar em amizade. Os muitos contatos virtuais não conseguiram produzir o que oito horas de viagem criaram. Solidifiquei uma amizade e ganhei um amigo.
Nenhuma engenhosidade em elaborar planos mirabolantes seria capaz de sugerir que os primeiros exemplares do primeiro livro de um baiano residente em Salvador, seriam vendidos e autografados numa cidade próxima à fronteira com o Uruguai. Pois bem; lá estava eu numa pequena congregação da Igreja Presbiteriana na cidade de Rio Grande, em um culto ao ar livre, cercado de gente simples e revendo um colega de seminário que é o responsável por aquele campo missionário. É inevitável a tarefa de tirar algumas conclusões.
O Evangelho é gestado em atos simples de pessoas simples. O lócus privilegiado de manifestação do sagrado é o coração de gente humilde e apaixonada. Gente capaz de sentir a presença de Deus nas orações espontâneas e gramaticalmente imprecisas de pessoas que amam de verdade. Gente que nunca ouvira falar de Gadamer e de Habermas; jamais lera um parágrafo de um compêndio de teologia sistemática; mas que acredita que o Espírito de Deus pode falar aos seus corações.
A geografia do sagrado não converge para os lugares onde se produz o saber. Onde quase sempre transformamos a mensagem do Evangelho em mero conceito. Também não converge para a maioria das igrejas onde se divulga o nome de Deus, freqüentadas por “irmãos e irmãs” presos aos seus projetos pessoais. O “lugar santo” é onde se pode adorar em espírito e em verdade, com sotaque baiano, gaucho ou de qualquer outro lugar e, se possível, regado a lágrimas.
Pensava tudo isso e me preparava para dormir após a longa e prazerosa jornada quando coloquei a mão no bolso da camisa e percebi que, ali, havia algo. Saquei um papel que parecia ser daqueles de embrulhar presente, branco com estrelas azuis estampadas de um dos lados. Do outro lado, escrito com uma caligrafia que aprendi a identificar com facilidade, pude ler: “Neguinho, ‘A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer ir.’ Amo-te”. Era Diana e seu maravilhoso costume de colocar bilhetes no bolso de cada camisa que carrego em viagens. A saudade já era grande e era apenas o primeiro dia da viagem.
Segunda feira chegou e tinha vôo previsto para as nove e meia. Cheguei ao aeroporto às oito e meia e tive minha última surpresa da viagem. Uma aeronave de pequeno porte quebrou o trem de pouso e estava atravessada na pista impedindo pousos e decolagens. Decepcionado, pois queria chegar em casa e ver Diana e os meninos, sentei-me numa cadeira em meio àquele movimento infernal, liguei o laptop e escrevi essa crônica que você lê.
Que seria da vida se não houvesse os imprevistos?
AFA Neto
Prezado Neto (depois dos 750km dispensemos o Rev., rsrsrs), foi uma grande alegria sua presença no RS. Muito bom texto!
Sergio
Grande amigo,
Belíssimo texto. Foi um grande prazer desfrutar de sua companhia aqui no RS. Sem dúvida, os 750km de estrada solidificaram nossa amizade. Na próxima viagem venha com Diana e os meninos. Assim, você não ficará decepcionado com eventuais atrasos no vôo. Talvez o texto do blog demore mais para sair... Mas não se pode ter tudo... Abs, Aloisio
Antônio,
belísssimo texto.
A cada dia fico mais fã.
Amo-te!
Beijos
Diana Alves
Grande Sérgio;
vamos dispensar mesmo o "rev".
A alegria pela passagem em POA foi tb minha.
Meu caro Aloisio,
É verdade que não podemos ter tudo.Mas tive tudo que queria aí em sua cidade. Valeu pela maravilhosa hospedagem. Abração em Neide e nos meninos.
Diana,
Ter vc como leitora do blog é uma realização.
Vc me conhece como sou; sabe das minhas mazelas.
Seus elogios são estímulos e confirmação de que estou na direção certa.
Beijo
AFA, que maravilha seu texto sabe ..no encontro das Deboras tive esse mesmo sentimento, desse evangelho simples e podesroso que alegra nosso coração ..que nos deixa apaixonados..como coração ardente..e um desejo de buscar isso todos os dias... e enquanto ouvia a missionaria que pregava lembrei de vc e pensei: o meu Pastor ia gostar de ouvir essas coisasrsrsrs que bom que mais que ouvir vc pode experimentar !!! e sem falar na Belaza do nosso Rio grande lindo d+ né...Te admiro por vc ter essa sensibilidades em perceber em nas coisas simples o agir de Deus um abração
Olá Indi,
precisamos reviver essas coisas vez por outra para confrontar nossa espiritualidade acomodada e sem paixão.
Abração.
pastor NETO,
Percebi neste texto o zelo eo amor de DEUS para com sua vida e como DEUS faz para que possamos estar sempre fazendo o melhor, com certeza estás na direção certa. Eperceber que as coisas mais belas da nossa vida esta nas coisas mais simples que muitas vezes nao percebemos nem vivemos por deixar para trazQUE DEUS CONTINUE LHE DANDO ESTA PERCEPÇÃO SEMPRE E VIVENCIA.
UM ABRAÇO FRATERNO ,
BETE