Houve uma época em que não se falava em fórmula trinitária, em união hipostática, em teologia dos pactos, em livre arbítrio ou nenhuma dessas elaborações antigas ou recentes para se expressar a mensagem do Evangelho. Houve uma época em que gente simples foi impactada por uma mensagem simples mas poderosa o suficiente para transformar homens e mulheres decepcionados e acovardados em gigantes destemidos e determinados. Uma gente que não falava em morte expiatória, substitutiva ou vicária; simplesmente sabia que Jesus havia morrido por amor a ela. Uma gente que não se gastava em produzir provas factíveis da ressurreição do Mestre, pois sabiam que de nada adianta acreditar na facticidade da ressurreição se a mesma não ocorrer existencialmente em sua vida. Ressurreição na história sem ressurreição na vida é puro exercício de diletantismo. É completamente estéril. Gente que nada sabia das discussões sobre o papel da terceira pessoa da trindade na economia divina, simplesmente desejava e se abria para a irrupção do Espírito de Deus em suas vidas na certeza de que isso era tudo de que necessitava para testemunhar a sua fé.
Então veio o discurso e nos deslumbramos com suas possibilidades. Em lugar da experiência de Deus, colocamos o discurso sobre Deus. Achamos mais beleza nas fórmulas do que nas essências. Ficamos com o significante e perdemos o significado. Passamos a adorar os dogmas e nem percebemos que o Criador já não pode ser encontrado neles. Olhamos o dedo apontado para a lua, mas não conseguimos mais ver a lua. Não conseguimos lidar muito bem com o mistério, então tentamos tornar as coisas compreensíveis. Consequentemente roubamos da divindade aquilo que lhe é essencial, a condição de ser sempre horizonte. Sem mistério não ha relação com o Inefável. Tudo que resta são as definições, mas elas são vazias. São monumentos erguidos em memória de algo que existiu algum dia, mas não mais está ali.
Acho que precisamos revisitar aquela época sem os óculos das construções dogmáticas. Com o coração de uma criança que ainda não passou pelo processo de formatação de sua estrutura conceitual.
Voltar à origem e descobrir que nós nos distanciamos dEle, pois Ele nunca se afastou do lugar onde se revelou.
Em dias de recrudecimentos legalistas e doutrinários, de superficialidades racionalistas e subjetivistas de um lado e de fé mercadológica movida a "Templo de Salomão" de outro, o Evangelho está pedindo passagem.
É essa ambiciosa viagem que comecei a empreender ontem com a Igreja Presbiteriana da Aliança a partir de Atos dos Apóstolos. Espero que entre tormentas e calmarias, aportemos de volta ao seio daquele que sempre nos amou e nunca desistiu de nós.
Afa Neto