O incômodo era grande. Carregava-o há muitos anos a ponto de chamá-lo de "espinho na carne". Como homem piedoso que era, se pôs a orar. Rogou a primeira vez sem sucesso. Não desistiu, tentou pela segunda vez e, como da vez anterior, não foi atendido. Mas ele era insistente e não se deixou abater; se encheu de coragem e, do fundo da alma, suplicou pela terceira vez. Desta feita a negativa veio acompanhada de uma justificativa: "A minha graça é suficiente para você. O meu poder não se manifesta nas demonstrações dos poderosos deste mundo, nem com eles comunga. Por caminhos insuspeitados para você, onde a fraqueza se insinua, o meu poder se revela."
Não precisava de nem mais uma palavra. Ele havia entendido tudo. Saiu dali carregando a mesma dor de antes mas alegre por ter conseguido transcender as estreitezas do livramento sem aprendizado e da tirania de ter que ser sempre bem sucedido e superior. Seguiu o seu caminho com uma estranha leveza no semblante, assobiando e alegre por não ter tido a sua oração respondida.
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"Pai, se queres, afasta de mim este cálice..."
Difícil de digerir um NÃO. Num primeiro momento é quase impossível ver positividade numa negação. Aliás, os termos parecem que se excluem mutuamente. Mas só parece. Há um universo de afirmações em um NÃO; há um mundo de bondades em uma recusa; há uma infinidade de bem-quereres em uma negativa. É bem verdade que nem todo NÃO carrega o SIM, da mesma forma que nem todo SIM traz como consequência uma bondade. Mas continuo acreditando na bondade de alguns Nãos.
Entretanto a crença na positividade de uma negação vem com o tempo. O tempo traz consigo a experiência e está se concretiza melhor nas adversidades. Portanto, é vivendo as experiências da negação e sobrevivendo a elas, que perceberemos como fomos agraciados com determinadas recusas. É preciso olhar sempre em retrospectiva para poder melhor enxergar essa verdade.
Mas não há melhor maneira de comprovar o que digo do que na oração. É na vida de súplica que aprendemos o quanto um NÃO pode, e quase sempre é, benéfico. Tudo começa pelas estatísticas. Numa mensurarão rápida, qualquer pessoa é capaz de constatar que recebe muito mais NÃOS do que SINS em suas orações, contudo insistimos em orar. E por que? Simples: NÃO também é resposta; e quando vem de Deus, quase sempre é a melhor resposta. Não poderia ser diferente, afinal, foi o escritor sagrado que nos advertiu que "pedimos mal" pois o fazemos "para esbanjar em nossos prazeres". Mas tem um NÃO que é emblemático e redentor.
Volte seus olhos para a citação que encima este texto e você se deparará com o NÃO mais revolucionário e alentador de toda a história da humanidade. Na hora extrema, visitado por agonia profunda e assombrado pelos fantasmas do abandono e da dor ignominiosa, o Filho de Deus faz uma prece simples, visceral e humilde: "Pai, se queres, passa de mim este cálice". A resposta? Um NÃO, seguido de um gesto de carinho do Pai que amava desmedidamente o Filho.
Ah se não fosse aquela negação! Pobres mortais. O que seria de nós se uma das derradeiras cenas do filme "A Última Tentação de Cristo" correspondesse à realidade? O que aconteceria se o Filho fosse retirado da cruz em resposta à sua oração? O que aguardaria a mim e a você?
Mas Deus disse um NÃO e três dias depois todos puderam entender o poder contido naquela resposta. Porque tanto medo da negação? Para que todo um mundo voltado para atender aos nossos desejos? Para que criar esse deus servo e despachante dedicado que atende solícito nos centros religiosos deste mundo? Esse deus não é o Deus da Bíblia nem o Pai do Cristo. O verdadeiro Deus é aquele que diz NÃO e o mundo é salvo; que diz NÃO e a vida recobra o sentido; que diz NÃO e a esperança renasce; que diz NÃO e com Ele eu me reconcilio; que diz NÃO e da morte a vida ressurge.
Afa Neto